Execução trabalhista contra empresas do mesmo grupo fere contraditório

Resultado da controvérsia é incerto, pois a divergência também se encontra no âmbito do STF

Por Igor Campos Oliveira

14/06/2023 04:46

Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal a análise de uma questão trabalhista histórica que causa insegurança jurídica há anos e tem impacto direto no bolso das empresas. Os ministros irão analisar o Tema 1232, com repercussão geral, que trata da (im)possibilidade de inclusão de empresas do mesmo grupo econômico durante a fase de execução de processos trabalhistas. Recentemente, o ministro Dias Toffoli decidiu suspender todas as execuções que abordam o assunto.

Além dos infortúnios inerentes a todo processo judicial, as empresas incluídas no cumprimento de sentença – sem terem participado da fase cognitiva pregressa – poderão vivenciar inúmeros problemas práticos. Entre eles, o bloqueio de contas bancárias essenciais a suas atividades econômicas e, em determinados casos, até mesmo a penhora de parcela significativa de seus faturamentos mensais, a fim de satisfazer o crédito trabalhista.

É preciso ressaltar, ainda, que a dúvida acerca da possibilidade de incluir, na fase de execução, empresas que jamais figuraram no processo cognitivo prévio (isto é, na reclamação trabalhista) acarreta insegurança jurídica tanto para elas, quanto para trabalhadores. Isso porque os trabalhadores nunca saberão exatamente se detêm o ônus de ajuizar a reclamação trabalhista contra empresas do mesmo grupo econômico, a fim de que possam, posteriormente, inseri-las em eventual cumprimento de sentença. Por outro lado, as empresas sempre poderão ser surpreendidas por atos executivos oriundos de processos nos quais sequer atuaram. Daí ser conveniente, de fato, a definição da questão pelo Supremo, se o caso com efeitos prospectivos (ou modulações pontuais para equilibrar os efeitos da decisão vinculante a respeito).

No cerne, essa inclusão levanta o debate sobre a violação do direito ao contraditório. A denominada execução “ultra partes” é objeto de inúmeras polêmicas na doutrina nacional e estrangeira. Uma das maiores referências no assunto, Francesco Paolo Luiso, não vê ofensa ao contraditório na hipótese em que determinado sujeito é incluído no processo de execução sem constar no título executivo.[1] Todavia, ao se compreender que o contraditório assegura aos indivíduos o direito de influenciar na formação do convencimento do juiz a respeito da decisão que irá amparar eventual execução (art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal), parece claro que incluir, no cumprimento de sentença, empresas alheias ao processo cognitivo viola essa garantia.[2]

Como dito, o STF vai analisar a celeuma no RE 1.387.795-MG em breve (Tema 1232 do STF). O assunto também é, em alguma medida, objeto de discussão na ADPF 488 e na ADPF 951, pendentes no STF. Realmente, o assunto gera divergências há anos. Em 1985, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia consolidado seu entendimento dominante sobre a matéria por meio da edição da Súmula 205. De acordo com ela, “o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução”.

Entretanto, em 2003 o TST cancelou essa súmula. Desde então, passou a adotar justamente a orientação contrária, ou seja, a ideia de que seria possível inserir no cumprimento de sentença empresas do mesmo grupo econômico ausentes do processo cognitivo prévio, sem instauração de qualquer incidente prévio para delimitar, ao menos, a coobrigação dessas empresas.

É provável que mais de 200 processos em curso no TST tenham sido sobrestados até agora. De acordo com o site do TST, existem, ao menos, 163 decisões monocráticas e 29 acórdãos proferidos pela corte com expressa menção ao Tema 1232, do STF, o que evidencia a relevância nacional do assunto.[3]

A Procuradoria-Geral da República afirma que a suspensão nacional dos processos que envolvem a matéria afigura-se inadequada em virtude do risco de dano inverso, de “tumulto” relativo à atuação da Justiça do Trabalho e da necessidade de evitar “fraudes” e “dilapidação patrimonial”. Por isso, requereu que a suspensão alcançasse apenas os recursos extraordinários atinentes ao tema, ou, ao menos, que seja aplicada somente após “medidas de constrição patrimonial que evitem a dilapidação e garantam o crédito trabalhista”.

Apesar disso, a suspensão nacional decorre de regra expressa (art. 1.035, § 5º, do CPC) e não impede a concessão de tutela de urgência para impedir dissipação de patrimônio (arts. 314 e 928, § 2º, do CPC). Assim, diante das controvérsias que pendem nos Tribunais quanto ao tema, a decisão do ministro Toffoli de suspender todas as execuções trabalhistas em curso no Brasil mostra-se mais adequada ao propósito de resguardar a segurança jurídica e a isonomia (art. 5º, caput, da CF), bem como a estabilidade, a integridade e a coerência da jurisprudência (art. 926, caput, do CPC).

Apesar da delicadeza do tema, compreende-se que o vínculo de solidariedade estipulado pelo art. 2º, § 2º, da CLT vincula as empresas do mesmo grupo econômico ao plano do débito (Schuld), e não da mera responsabilidade patrimonial (Haftung), conforme indica, entre outros, o art. 275, caput, do Código Civil.

Nesse sentido, assim como no caso de prestação de serviços (Súmula 331, IV, do TST),[4] o reclamante detém verdadeiro ônus de inserir tais empresas na fase cognitiva do processo se pretende, depois, direcionar o cumprimento de sentença contra elas, sob pena de ofensa ao contraditório,[5] o que não impede, contudo, a posterior instauração de IDPJ em sede executiva (art. 855-A da CLT e art. 134, caput, do CPC).

Como se percebe, a solução do problema não passa, exatamente, pela aplicabilidade do art. 513, § 5º, do CPC, ao processo do trabalho, mas pela necessidade de observância do devido processo legal (art. 5º, incs. LIV e LV, da CF) e, igualmente, do princípio da segurança jurídica. De todo modo, o resultado dessa intrincada controvérsia ainda se mostra incerto, pois a divergência também se encontra no âmbito do Supremo. Agora, é preciso aguardar as cenas dos próximos capítulos.

[1] LUISO, Francesco Paolo. L’esecuzione ultra partes. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1984, p. 7.

[2] Nesse sentido, cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários aos arts. 485 a 538. In: ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Coords. Comentários ao Código de Processo Civil. v. VIII. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 269-270.

[3] Segundo pesquisa realizada em 02/06/2023 mediante a inserção do termo “Tema 1232” no site do TST (www.tst.jus.br).

[4] “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.” Disponível em: https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html. Acesso em: 02/06/2023.

[5] Ao encontro dessa perspectiva, cf. YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a aplicação subsidiária do novo CPC à execução trabalhista e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Revista do TST, Brasília, vol. 82, nº 1, jan./mar. 2016, p. 195 e 200-201.

Igor Campos Oliveira – Advogado no escritório Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia. Graduado em Direito na FDRP-USP. Mestrando em Processo Civil pela FD-USP. Bolsista da Capes

 

Fonte: JOTA

 

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